Uma das reclamações mais constantes do gamer maduro e moderno é que quando finalmente estamos inseridos no mercado de trabalho e com algum dinheiro extra para investirmos nos nossos amados joguinhos, não temos tempo nenhum para desfrutarmos deles. Assim eu vivi os últimos meses entre a alegria de comprar quase tudo que queria jogar logo no lançamento e a tristeza de ver a pilha de games crescendo ao lado do PS4 sem que eu passasse de uma hora de gameplay em cada um deles.

O drama do profissional contemporâneo, descolado, geração Y, é que a nossa jornada de trabalho é bem mais extensa do que aquelas oito horinhas no horário comercial. Eu sou designer e professora universitária, e para isso além das 40 horas semanais preciso ler muito, fazer freelas, pegar referências e praticar algumas habilidades necessárias para o trabalho, como ilustração. Sempre tive muita dificuldade em me organizar para dar conta das tarefas de minhas “horas livres” e conseguir pelo menos duas horas diárias para jogar alguma coisa. Acabava sempre me entregando a uma longa letargia no sofá enquanto via besteiras na internet pelo celular até me levantar com um pulo assustado e o lamento “tenho tanta coisa para fazer!”, seguido de todas as tarefas se acumulando para o final de semana.

Foi em meio a esse cenário que resolvi apelar para aplicativos de organização de tarefas. Não me dei bem com as listas tradicionais porque eu simplesmente as ignorava enquanto alternava entre as 300 abas abertas do meu navegador. Então resolvi considerar a gamificação porque pensei que um jogo me deixaria mais motivada a riscar coisas da lista de tarefas. Pesquisei alguns apps e optei pelo HabitRPG, uma mistura de bichinho virtual e RPG em pixel art disponível para todas as plataformas que uso: Android, iPad e navegador.

A ideia do aplicativo é bem simples: criei um avatar e uma lista de tarefas. A cada tarefa realizada, eu ganharia pontos de experiência e dinheiro, para subir de nível e comprar itens. No nível 10 é possível escolher uma classe e desbloquear itens especiais a partir daí. Ao deixar uma tarefa para trás ela se converteria em dano aos pontos de vida do meu personagem no final do dia, e aí é preciso cumprir mais tarefas para conseguir dinheiro e comprar poções.

A minha “síndrome de bichinho virtual” foi ativada e o aplicativo funcionou muito! Comecei a concluir tarefas rapidamente porque queria ver como eram os itens mais avançados e colecionar todos os pets e montarias do jogo. Mas o que realmente superou minhas expectativas foi quando comecei a ligar o videogame durante semana, sem culpa porque tudo que tinha para fazer estava terminado. É esse milagre que quero compartilhar com vocês, oh gamers.

Intrigada com o excelente desempenho na gamificação no meu caso, resolvi conversar com um especialista da área e ver como essa magia age em nossas vidas. O Marcel Leal é CMO e co-fundador da Opusphere, uma empresa que oferece soluções de gamificação.

BONUS STAGE: O que exatamente é gamificação? O termo está se popularizando hoje em dia, você percebe que existe confusão quando se fala no assunto ou as pessoas em geral estão informadas sobre?

Marcel: A maioria das definições convergem para algo como “aplicar mecânicas e dinâmicas dos jogos em contextos de não-jogos para resolver problemas e motivar as pessoas”. Nós gostamos de colocar como “um jeito divertido de fazer o que deve ser feito”. Todos nos deparamos com tarefas e problemas chatos que fazem parte da nossa rotina, no trabalho ou em casa. Já que temos que fazer isso, por que não fazer de uma forma mais bacana, mais divertida? O termo é bem mais difundido do que quando começamos e já não causa mais estranheza. O público em geral já relaciona gamificação com games, mesmo sem entender direito a diferença entre uma coisa e outra.

BS: Por que a gamificação motiva tanto? Eu comecei a usar o aplicativo sem esperar muito, pensando “ah, são apenas badges no site” mas percebi que o meu rendimento aumentou muito e ganhei muito tempo livre para investir em meu lazer com isso. Qual é a explicação para esse ganho de motivação?

Marcel: A gamificação se apropria da motivação que os games despertam nas pessoas. E os jogos fazem parte da nossa cultura, alguns autores ainda exploram os jogos antes mesmos disto, colocando os jogos como formadores da própria cultura. Seria algo instintivo e necessário para nossa evolução.

É fácil perceber isso em filhotes “brincando” de caçar por exemplo. Nosso cérebro está sempre buscando formas de nos deixar equilibrados, quimicamente falando. A dopamina é um dos hormônios anti estresse e que não sintetizamos voluntariamente, uma das formas de conseguirmos isso é com a realização de um desafio. Físico ou não, real ou não, para o cérebro não importa.

Então o que a gamificação faz – quando bem planejada – é despertar algo tão intrínseco nas pessoas que causa uma satisfação física real (dopamina) antes mesmo de termos consciência de que aquele desafio era desnecessário – conquistar um badge por exemplo.

BS: O principal objetivo das empresas que procuram soluções em gamificação é a produtividade? Que resultados vcs têm observado nas empresas que adotaram seus produtos?

Marcel: As empresas obviamente procuram aumentar sua produtividade em qualquer solução do mercado e buscam inovações para isso. O que oferecemos como inovação é um modo mais divertido de alcançar o objetivo de negócio da empresa, seja ele em um setor ou em toda a organização.

Mas é importante ressaltar que a gamificação não é uma panacéia, ao contrário, pode até prejudicar o rendimento de uma equipe se as outras pontas do processo – recursos humanos, clima organizacional, comunicação interna etc – estiverem soltas. O efeito da gamificação nestes casos pode chegar como hipocrisia para os jogadores. Somos os primeiros a analisar e apontar qualquer risco com as empresas que trabalhamos.

BS: Como a gamificação pode ajudar a sociedade?

Marcel: Exemplos não faltam, são diversas ONGs que já se utilizaram de gamificação em suas causas, seja arrecadação de donativos ou mesmo trazer à tona problemas como jovens moradores de rua. Na área de pesquisa em saúde por exemplo, o instituto inglês Cancer Research tem várias iniciativas colocando qualquer pessoa que tenha acesso a um computador para ajudá-los em suas pesquisas na cura do Câncer: CellSlider e Play to Cure são só dois exemplos.

O fato é que motivação que os games causam nas pessoas, que já é grande, fica ainda maior quando adicionamos um pilar importante de motivação: o sentimento de fazer parte de algo maior que elas mesmas, é o Epic Win que os gamers conhecem muito bem. Quem não gostaria de ajudar a pesquisar a cura do câncer?

3 COMENTÁRIOS

  1. Vc me ganhou com “Acabava sempre me entregando a uma longa letargia no sofá enquanto via besteiras na internet pelo celular até me levantar com um pulo assustado e o lamento “tenho tanta coisa para fazer!”, seguido de todas as tarefas se acumulando para o final de semana.” Instalando agora!!

  2. Gamificação é tudo de bomm!!! Sou recém formado em administração de empresas e meu TCC foi sobre gamificação em Treinamento e Desenvolvimento. A gamificação é a nova resposta para nossos problemas cotidianos e a resolução deles de uma maneira mais divertida.!!