Fico muito feliz em ver o surgimento de um olhar mais autoral na indústria de games e de produções indies discutindo temas de relevância social como sexualidade, identidade e violência de gênero. Por isso fiquei muito animada para jogar Pregnancy, narrativa interativa do desenvolvedor brasileiro Rodrigo Silvestre que estreou ontem no Steam. O jogo fala sobre uma garota de 14 anos, Lilla, que descobre estar grávida após ser estuprada.

Já notei de cara que seria um jogo bem diferente das maravilhosas narrativas de Merritt Kopas e Anna Anthropy, para citar meus exemplos preferidos, por não ter sido feito por alguém que vivenciou a história. Games são uma ferramenta maravilhosa para a criação de empatia entre player e personagem, mas fica realmente difícil se conectar quando a história é cheia de artificialismos visivelmente inseridos para simular uma adolescente de 14 anos, como comentar sobre Jogos Vorazes e Miley Cyrus por exemplo (hey, eu tenho 27 anos e curto essas coisas). O autor não conseguiu compensar essa questão com pesquisa ou depoimentos mais autênticos, que poderiam ter sido inseridos no texto.

Apesar da proposta visual coerente com a narrativa interativa, bem simples com bom uso de fotos e texto, a música parece dissonante, muito “animadinha” em algumas cenas cruciais. Não chega a ser ruim, mas causa estranhamento. Não fica claro se era essa a ideia.

A narrativa caminha com o jogador agindo como uma “voz da consciência” de Lilla, que deve guiá-la para escolher abortar ou não. Você pode usar argumentos pró ou contra escolha (“você não tem culpa” ou “é uma vida”) e no final a personagem decidirá. E foi o final, mesmo com os problemas de autenticidade da narrativa, que tornou o jogo realmente ruim para mim: ele iguala as duas escolhas com uma saída “neutra” e preguiçosa, também conhecida como “os dois lados têm bons argumentos” e apresenta algumas estatísticas das escolhas do usuário com um apanhado de links sobre movimentos contra ou a favor do direito de aborto. Ou seja, não discute de verdade o tema, nem mesmo nas falas de Lilla.

Lilla é extremamente privilegiada: tem uma família que a apoia, acompanhamento profissional adequado e uma amiga que não a julga. Não pode ser usada como uma personagem que representa o universo real das vítimas de estupro: muitas delas violentadas por pessoas próximas e sem o apoio da família, muitas delas pobres e incapazes de criar um bebê, expulsas de casa, em países que não facilitam o acesso ao aborto mesmo em casos de estupro (apesar do autor ser brasileiro, o jogo se passa na Hungria, país que permite o aborto sem restrições).

Se o jogo tomasse uma posição, qualquer que fosse, e se Lilla fosse menos idealizada, o game poderia ao menos ser elogiado por trazer uma discussão relevante sobre o assunto. Do jeito que está, parece apenas uma tentativa de pegar o “hype” dos jogos sociais sem correr o risco de ser político de fato. Uma pena.