Compondo o rol de séries de ficção científica do canal SyFy, The Expanse adapta a série de livros homônima, assinada por James S. A. Corey (pseudônimo conjunto dos escritores  Daniel Abraham and Ty Franck. Trata-se de uma ficção científica cuja premissa se baseia na expansão da civilização humana para o espaço, com colônias estabelecidas em Marte, além de estações fixadas em luas e asteroides que sobrevivem com a criação artificial de atmosfera e baixos níveis de gravidade.

No cenário construído pela série de TV, essa expansão já aconteceu há ao menos três ou quatro gerações, de forma que culturas diferentes foram surgindo e se solidificando. Marte, a primeira colônia extraplanetária da humanidade, constitui um poder político independente, com uma cultura extremamente autossuficiente. As estações espaciais mais distantes, por sua vez, formam uma espécie de conglomerado de grupos com diferentes vertentes ideológicas e práticas que luta por reconhecimento e independência políticos, chamado OPA (Outer Planets Alliance, ou Aliança dos Planetas Exteriores, em uma tradução direta). A Terra, por sua vez, é representada politicamente pelas Nações Unidas (englobando o planeta Terra e a Lua), e várias tensões engrossam o caldo de uma frágil paz entre essas três grandes forças.

Paz que é colocada em xeque quando a Canterburry, uma nave mineradora encarregada de levar blocos de gelo retirados de Saturno, é atacada e completamente destruída. James Holden, líder de um pequeno grupo de sobreviventes, faz uma transmissão em vídeo que é recebida por vários planetas, acusando Marte do ataque, e isso dá vazão às tensões já existentes. Uma guerra que pode aniquilar o avanço de gerações inteiras começa a se desenhar.

Enquanto isso, na estação espacial de Ceres, o policial Joe Miller é chamado pela sua superior para um trabalho que pagaria algo além do seu contracheque habitual: encontrar a desaparecida Juliette Mao, a filha rebelde de um grande magnata de uma empresa terráquea. Julie, uma jovem de espírito revolto, desapareceu sem deixar muitas pistas, e por ser a herdeira de um império econômico, seus pais tentam encontrá-la antes que as tensões cresçam e a guerra ecloda.

Concept art do porto de Ceres

A Terra, embora tente manter uma posição menos comprometedora no conflito, tem muitos interesses em jogo para simplesmente se ausentar. Sua principal representação está em uma personagem que detém grande influência nas Nações Unidas, Chrisjen Avasarala. Diferente de outras lideranças, mais imediatistas, a manobrista política está interessada em descobrir quem teria atacado a Canterburry, e, mais importante, os motivos dessas ações. Qual seria o interesse de causar um conflito de tamanhas proporções?

Esses são os três núcleos principais de personagens no seriado, que, no início, não faz muita questão de ser exatamente didático sobre os eventos, ou mesmo sobre os termos adotados internamente. Nomes como OPA, Planetas Internos, além de vocábulos náuticos (comumente se referindo às naves e às tecnologias por elas adotadas) são utilizados sem esperar do espectador uma compreensão imediata, o que pode incomodar alguém pouco acostumado a produções do gênero. As maiores dúvidas, porém, são sanadas com o decorrer da série.

Adotando escolhas visuais e de performance artística para a construção de seu cenário, a série do SyFy utiliza muito bem o orçamento à disposição. Os ambientes são bastante convincentes: as naves são imensamente diferentes entre si, fugindo daquele padrão “futurista clean de pontas arredondadas”; as estações espaciais fazem uso de todo o espaço disponível, com aquela superlotação verossímil de uma cidade que não tem mais espaço físico para crescer, mas acaba recebendo vez ou outra novos moradores. Mesmo as cidades terráqueas conseguem extrapolar, demonstrando tanto a tecnologia presente quanto as consequências dos desastres ecológicos atualmente previstos. Esses elementos de linguagem, apesar de não serem trazidos à tona pelo discurso de algum personagem, tanto adaptam componentes presentes no texto literário quanto auxiliam o no processo de construção de um cenário próprio, passando mensagens que não precisam ser expressas diretamente.

Julie, Miller, Naomi, Holden, Alex, Amos e Avasarala – o cast de protagonistas da primeira temporada

Os personagens que movem a trama, pois suas ações têm consequências que repercutem em todo o cenário, têm um alcance variado de representações étnicas e culturais, embora na primeira temporada elas fiquem um pouco relegadas em prol da trama. As interações entre eles são verossímeis, e suas ações são comumente bem justificadas, sem cair em um didatismo incômodo. Os três núcleos principais, embora possam demorar ou sequer chegarem a se encontrar, provêm uma visão mais global sobre os eventos, deixando o espectador em uma posição privilegiada em relação ao que os personagens sabem, embora consiga manter um

Em suma, The Expanse não é a sua space opera convencional, onde protagonistas loiros e fortes encontram civilizações alienígenas belicosas e dedicam sua vida ao salvar o planeta terra, e também não parte para o estilo Star Trek de ser, de viagens interplanetárias para novas paragens. Ela é uma série sobre política, com ótimos personagens e de um surpreendente embasamento científico, como você pode ver nesse vídeo aqui, em que parte do elenco conversa com cientistas da Universidade da Califórnia a respeito  (infelizmente sem legendas).

The Expanse tem a primeira temporada disponível na Netflix, e a segunda temporada está sendo transmitida pelo canal SyFy.