“O que você acha, Jaskier? Existe ainda senso comum no mundo? Ou será que, em vez dele, sobraram apenas o desprezo e o mau-caratismo?”

O Tempo do Desprezo é o quarto livro da série The Witcher, escrita por Andrezj Sapkowski e publicado no Brasil pela editora Martins Fontes. Com sua já característica narrativa rápida e fluida, o romance prossegue com a trama envolvendo o destino dos reinos do Continente, entrelaçado com a jornada da jovem Cirilla e do bruxo Geralt de Rívia.

Nos romances anteriores da série – cujas resenhas você pode conferir aqui no Bonus Stage – Sapkowski estabelece as bases de maneira fluida e natural. Os dois primeiros trazem contos isolados entre si, que ensaiam elementos indicando a existência de um cenário vasto e rico. Além disso, apresentam personagens que serão recorrentes posteriormente, poupando tempo e espaço preciosos nos romances O sangue dos elfos e O tempo do desprezo.

Recapitulando, O sangue dos elfos conta a história dos crescentes conflitos raciais entre as sociedades humanas e os elfos, espalhados pelos vários reinos em grupos de Scoia’tael. Além disso, o livro fala da expansão do império de Nilfgaard, comandada por Emhyr, e as consequências nos reinos como Teméria, Cintra e Redânia. Já O tempo do desprezo prossegue com os eventos, ainda sob os pontos de vista de Geralt e Ciri principalmente, com a alternância entre outros personagens.

Geralt está lidando com assassinos enviados no encalço da jovem Ciri, tentando descobrir quem estaria atrás dele e da menina e, mais importante, o porquê. Ciri, por sua vez, prossegue com seu treinamento com Yennifer, em uma tentativa clara de controlar os poderes que naturalmente se desenvolvem. A presença da feiticeira é requerida em um congresso de arcanos, porém, e as duas vão até o lugar, onde uma verdadeira teia de intrigas é tecida e se desenvolve. Batalhas são travadas entre reinos, enquanto Geralt e Ciri percorrem seus próprios caminhos e passam por diferentes desenvolvimentos, crescendo a olhos vistos e evoluindo.

Como seria natural para um quarto romance de uma série longa, esse não é um livro para iniciantes. Termos próprios do cenário são utilizados assumindo-se que o leitor esteja familiarizado com a história, e a aparição rápida de vários personagens demandam que o leitor de fato conheça os eventos anteriores que desaguaram no atual estado das coisas. O texto, porém, não se atém a longas cenas de conversa: os momentos de ação envolvendo Geralt e Ciri são muito bem balanceados, elevando o tom do livro até o desfecho que deixa qualquer pessoa ansiosa para a leitura do próximo volume.

O tempo do desprezo é também uma lição valiosa de como elementos romanescos podem ser aproveitados em outras mídias, como a série de jogos. Não é a primeira vez que menciono a maneira inteligente da qual os produtores da CD Projekt Red se utilizam de tramas e elementos de cenário para criar histórias independentes, porém claramente relacionadas. Nesse livro, somos apresentados às intricadas relações entre as facções dos magos – justificando a eterna desconfiança de Geralt em relação aos usuários de magia e sua aversão a portais, elemento definidor do personagem nos jogos. Conhecemos também a Caçada Selvagem, força-motriz na trama do terceiro jogo da série, The Witcher 3: Wild Hunt, além de uma referência clara ao folclore europeu envolvendo fadas e outros elementos sobrenaturais.

Por ter um ritmo narrativo mais balanceado e deliciosos desenvolvimentos de diferentes personagens – além de uma breve aparição de Emhyr, um dos antagonistas de Geralt em Wild Hunt ­– considero O tempo do desprezo um livro superior ao seu antecessor. A maneira como diferentes núcleos de personagens e ações são amarrados e os eventos se desenrolam é muito bem feita. Mesmo as cenas de conversa, que servem como exposição da trama e do cenário, são bem narradas, equilibradas com momentos de ação ágil, características da escrita de Sapkowski.