“- Não há mais nada a fazer senão rir. Um poetastro com um alaúde. Uma selvagem encrenqueira, meio-dríade, meio-mulher. […] E um maldito nilfgaardiano que insiste em dizer que não é nilfigaardiano.
– E o líder da equipe é um bruxo cuja doença são os remorsos, o desespero e a indecisão.”

AVISO: Essa resenha contém spoilers dos livros anteriores da série. Se você não os leu, talvez não queira seguir adiante.

Batismo de fogo é o quinto livro da série The Witcher, publicado no Brasil pela Martins Fontes. Uma continuação direta do seu predecessor, Tempo do Desprezo, o romance prossegue contando a história de Geralt de Rívia – e, de maneira inusitada, conta como ele mereceu esse epíteto – e Cirilla, a criança predestinada.

Após os eventos na Ilha de Thanedd – conhecido no universo compartilhado entre romances e livros por O Golpe de Thanedd – Geralt é levado para a floresta de Brokillon, onde é cuidado pelas dríades para restabelecer sua saúde. Afastado mais uma vez de Ciri, ele passa a sonhar com a garota, compartilhando com ela os momentos vividos. E apesar de vê-la viva, algo inquieta o bruxo: uma sombra de morte paira acima da mulher de cabelos prateados.

As informações que correm são outras: a princesa de Cintra, herdeira de Calante, está em Nilfgaard, onde possivelmente se casará com o imperador Emhyr var Emreis. Os esforços de guerra de Nilfgaard, por outro lado, continuam avançando, dilapidando o reino de Temeria com sua devastadora cavalaria negra. Geralt então parte em busca de Ciri, na companhia da arqueira Milva, uma competente arqueira humana que foi criada entre as dríades de Brokillon; Jaskier, já conhecido trovador e seu companheiro de viagens; Regis, um barbeiro-cirurgião detentor de vários conhecimentos e um divertido caráter sarcástico; Zoltan, anão mercador também familiar para aqueles jogadores da série The Witcher; e Cahir, um cavaleiro nilfgaardiano cujas motivações serão reveladas no decorrer da narrativa.

A maior parte do livro é sobre a difícil viagem da companhia em busca de um caminho que não os exponha demais aos horrores da guerra. Uma das qualidades que se pode apontar no romance, inclusive, é a adoção de um estilo bem moderado para essa narração: o leitor não é poupado de conhecer as consequências devastadoras da guerra para o povo comum, mas não há uma exploração exagerada do tema.

As semelhanças são claras para qualquer leitor familiarizado com jogos de RPG, especialmente os de mesa: a viagem é a parte mais importante, durante a qual agruras dos mais diversos tipos afligem os personagens, e com isso, os laços de confiança e amizade são atados e construídos.

Uma indubitável virtude que se pode apontar são os personagens coadjuvantes. Enquanto Geralt segue determinado em sua busca, os personagens coadjuvantes têm espaço de crescer e serem construídos pela narrativa. Isso dá um efeito de fissura dos acontecimentos do livro anterior – que, além de importantes, são muito bem amarrados. Batismo de fogo soa, portanto, quase como um momento de pausa narrativa, em que o cenário, assim como o leitor, está “processando” os eventos e lidando com suas consequências. A história avança, porém, como a viagem do grupo, de maneira lenta, cheia de dificuldades.

A história de Geralt é entrecortada por momentos de abertura de foco: vemos Dijkstra articulando sua rede de espionagem, Philippa Eilhart lançando as bases de uma nova organização, dentre vários outros eventos que podem parecer pouco importantes, mas que se amarram à trama de modo a fazer sentido. Ciri, nos poucos momentos que aparece, vai demonstrando um caráter pragmático e, por vezes insensível, embora alguns pequenos indícios (e as informações obtidas nos jogos da série) me façam acreditar que a personagem fará sua própria jornada em busca de redenção. O final do romance, porém, que faz jus ao título – característica dos textos de Sapkowski, consegue amarrar os eventos, embora de maneira desnecessariamente apressada, e instigar a curiosidade para o próximo volume.

A tradução desse romance, em relação aos livros anteriores, pareceu-me mais fluida, e um pouco menos artificial, o que torna a leitura mais agradável. O estilo de escrita se mantém – uma ação rápida, visceral, mas que não oblitera os outros elementos do cenário. Batismo de fogo não corresponde às expectativas criadas pelo seu antecessor, mas não decepciona. Resta saber se A torre da andorinha conseguirá apagar a impressão pouco positiva que ficou.