A tribo de Lem precisa emigrar, pois o rio, do qual tiram o sustento, está secando. E conforme os dizeres das gerações anteriores, deixados inscritos em pedra, eles deverão vagar para uma terra mais próspera. No entanto, estava previsto também que, no dia da partida, uma de suas xamãs, Thuga, seria capturada por uma outra tribo. Piteco, junto com Beleléu e Ogra, partem para resgatá-la.

Ingá foi o quarto volume da coleção Graphic MSP, na qual vários artistas são chamados para trabalhar em novas versões e histórias com os personagens de Maurício de Souza. Encerrando a “primeira temporada”, o artista plástico Shiko cuidou do roteiro e da arte desse título.

Inspirado na Pedra do Ingá, que existe de fato na cidade homônima, no interior da Paraíba, Shiko uniu elementos do folclore brasileiro e das histórias de Piteco, criando uma identidade bem diferenciada e coesa para o universo “pré-histórico” da tirinha. E a repaginação dos personagens é, certamente, um dos elementos que mais chamam a atenção. O traço realista de Shiko, com o uso firme da aquarela, trazem uma visão realmente única às criações de Maurício de Souza.

Dessas, as mulheres é que mais merecem destaque. Não apenas pelo visual, mas sim pela naturalidade com que o roteiro apresenta personagens bem diferentes dos quadrinhos originais. Thuga, a eterna aspirante a namorada de Piteco, vai bem além disso. Ela é uma guia espiritual e uma curandeira de sua tribo, muito consciente do seu papel e de sua importância. É a representação da magia xamanística, e uma personagem que consegue se apresentar cheia de nuances na curta história. Ogra, amiga de Thuga e antes sua companheira nas artimanhas para conquistá-lo, é uma mulher alta e forte, e a única guerreira da tribo, mas que também guarda em si os elementos culturais e mágicos de seu povo.

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Thuga, a xamã do povo de Lem.

Com os outros personagens não é diferente. Beleléu continua sendo “o inventor”, representante do caráter criativo da humanidade, mas os detalhes na sua concepção tornam o personagem mais crível no universo representado. Piteco, por sua vez, incorpora o caçador/coletor que era originalmente, mas de maneira verossímil e convincente.

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Piteco pelo traço de Shiko

Uma das melhores adições, porém, foi a incorporação de elementos de lendas brasileiras, sem cair em um nacionalismo exagerado. Shiko reinventa personagens como Curupira e Boitatá, naturalizando-os dentro do imaginário construído pela HQ.

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Curupira

Ingá flerta com temas mais adultos, com mais cenas de ação, e uma violência sugerida. O roteiro é bem amarrado, e a narrativa da HQ é muito bem construída, com usos criativos de ângulos e cenários. Os dois focos narrativos são utilizados de maneira inteligente, criando uma tensão que dá um ritmo interessante à HQ, embora há quem possa reclamar de uma falta de “emoção” na trama, como se pode ver em Laços e Bidu. Mas é, certamente, uma das releituras mais criativas da coleção Graphic MSP.