Você presenteou sua mãe com um game? Se não, talvez deva pensar no assunto no próximo ano. As mulheres estão cada vez mas participativas no mundo dos videogames, e se engana quem acha que apenas os filhos jogam.

Meus pais foram fundamentais na formação do que chamo de minha “identidade gamer”. Meu pai me ensinou a mecânica dos games em seu Atari 2600. E minha mãe me tornou uma fã obcecada se adventures e puzzles, com suas longas jogatinas que viravam eventos em minha casa.

Pois é, a professora de dança e coreógrafa Rose Blanco – também conhecida como minha mamãe – é uma jogadora entusiasmada e assídua. Quando crianças, eu e meus dois irmãos adorávamos nos reunir na frente do computador para assisti-la jogando adventures clássicos como Torin’s Passage e Full Throttle. Para nós, era como assistir a um filme, com todo mundo palpitando nos puzzles e prendendo a respiração nas reviravoltas narrativas. Até hoje ela adora assistir meu irmão jogar. Acha que seria um sonho sua mãe insistir para você ligar o videogame, porque ela quer saber como a história continua? É uma cena comum em casa.

“Comecei jogando Atari. Meus jogos preferidos eram River Raid e Kangaroo” conta Rose. Fã de Indiana Jones e de séries policiais como CSI, ela também se interessa por explorar lugares exóticos e desvendar mistérios nos games. “Gosto de jogos de busca e de aventura, principalmente aqueles que tenham locais ocultos. Os jogos de ‘terror’ me atraem também” explica.  No momento, ela está jogando Portal.

Um dos feitos lendários de mamãe foi ser a única aqui de casa a zerar Alone in the Dark: The New Nightmare com as duas possibilidades de protagonista. Fã, ela considera o jogo um dos mais desafiadores que encarou: “Exigia um auto controle maior, visto que lidava com zumbis que surgiam inesperadamente,  a cada novo local explorado. Antes havia jogado coisas mais leves e fofinhas.” Minha mãe também foi a pessoa mais ofendida da família com a ruindade extrema da adaptação para os cinemas de Alone in the Dark.

Convesei com outra mamãe gamer, a arte educadora Sarah Helena, que me contou sobre como os games participam de sua relação com seu filho André, de 8 anos de idade. “Jogar é assunto de família aqui. Para resolver aqueles estresses naturais das relações humanas, para me aproximar ‘nos termos dele’ quando um assunto difícil precisa ser discutido, para explorarmos algo novo ou aprendermos algo, e acima de tudo porque é bom, é gostoso, é um jeito leve de conviver. Gosto mais dos jogos cooperativos, mas por ele eu jogo até game de luta. Construímos juntos no Minecraft, tiramos contras de Street Fighter, fazemos as fases cooperativas de Little Big Planet. O que tem opção de multiplayer, a gente vai jogar junto.”

Minha mãe concorda que jogar é também uma atividade para toda família. “Jogo com meus filhos sempre que posso ou sou convidada por eles. Adoro também assistí-los jogando. São bem mais hábeis que eu” conta, rindo. (Nota da autora: isso é modéstia da minha mãe. Ela costuma zerar os jogos bem antes que eu).

E para as mamães gamers, o estereótipo de jogos como um empecilho ou distração que dificulta a educação dos filhos está mais que ultrapassado. “A gente tem muito forte a coisa do gamification. Cai um dente, ele faz alguma coisa que antes não sabia, terminamos em tempo recorde uma obrigação da escola, e um olha pro outro e já fala ‘achievement unlocked‘: (insira aqui um achievement inventado na hora, como ‘Rei da Matemática, 10 exercícios em x minutos’). Eu uso conceitos de gamification na educação dele, porque funciona. André é a criança menos competitiva que conheço, mas gosta de ser desafiado, e gamificar as coisas chatas – e nem tão chatas – do dia a dia é sempre um jeito de tornar a vida mais interessante. Quando você tem uma criança, o videogame não fica dentro da tela, dentro do console ou do PC. Ele dorme abraçado ao Sack Boy e com um Creeper, os dois últimos aniversários dele foram sobre games (e o desse ano vai ser de novo, e todo ano eu faço a decoração toda), às vezes ele me pede para contar uma história e eu me vejo contando o enredo de jogos como se fosse um conto de fadas. Então sim, eu jogo com ele, mas muito mais que isso, eu mergulho junto com ele em mundos de vivência de fantasia que os videogames nos permitem” conta Sarah.

Mães que jogam têm mais facilidade para perceber como os games são uma parte importante do repertório cultural de seus filhos: “os games trazem muitos benefícios. Você lê um livro e imagina uma história, o que é muito bom para aguçar a imaginação. Nos jogos você é convidado a vivenciar uma aventura e a visualiza, porém você também interage com a mesma. A qualidade visual é encantadora! É um lazer, é uma ocupação na hora do tédio, é uma diversão, é uma terapia, visto que você se desliga do resto. No meu caso, vem a colaborar nas minhas atividades criativas e, muitas vezes, utilizei músicas e temas relacionados aos jogos e personagens em minhas coreografias” conta Rose.

O lado social dos games também não é menosprezado por mães que conhecem esse universo. “Acho que o campeão dos jogos que o André descobriu e trouxe para mim (e para o pai dele, foi uma contaminação geral) foi Minecraft. Ele pediu de presente a licença do jogo, e foi um choque, do tipo, ‘como assim ele quer um presente virtual, um download legal, porque o jogo é de uma empresa indie e é importante que a gente faça isso?’. O fato de ele entender isso já me deixou chapada – ‘puxa, ele conhece esses conceitos todos?’. Até acho que é natural no meio em que ele cresce. Mas eu fiquei muito curiosa de entender porque ele ficou tão fascinado, e como a gente joga tudo que ele joga (para ter um controle de o que ele está acessando mesmo), quando vi estava babando no jogo fazia horas. Adoro Minecraft, e foi graças a ele. A gente divide essa paixão por jogos indie, e tem um punhado de títulos ai que ele descobriu e me indicou. Até algumas coisas do tipo ‘olha, mãe, eu não curti, mas acho que você vai gostar’. Tem sido uma experiência bem legal, ver que ele vai ganhando autonomia e com isso vamos dividindo mais” conta Sarah.

E retomando o assunto do primeiro parágrafo, sim, pense em presentear sua mãe com um game no próximo Dia das Mães. Elas adoram. Minha mãe já me deu a dica para 2015. “Ficaria feliz em ganhar. Claro. É um presente prolongado, visto que poderei usufruí-lo por um longo período” afirma. (Nota da autora: isso porque mamãe só sossega quando platina. Sério. Não sossega enquanto ainda falta um troféu).

Sarah concorda e amplia a discussão “Quando é que eu não gosto de ganhar jogos? Até porque seria uma fantástica inversão dos conceitos machistas e normativos que são esfregados na nossa cara no Dia das Mães. A mãe que eu vejo nas propagandas, nos cartões, nas frases de efeito, não sou eu. Eu sou uma mãe que gosta de coisas nerds, que coleciona memorabilia, que joga videogame, que se empolga com seriado, que faz cosplay. Eu não sou uma mãe do jeito que mentem para a gente dizendo que uma mãe tem que ser. E eu tenho uma lista infinita de jogos que eu quero, seja para os consoles ou para minha conta Steam. Ganhar jogos é uma coisa que aquece o coração. É dividir algo especial, que as pessoas associam a uma diversão solitária, e que não é, é uma construção coletiva de significados.”