É muito difícil hoje em dia conhecer alguém que nunca tenha ouvido falar de Dungeons & Dragons. Não é à toa. Completando hoje seus 40 anos de existência, o famoso jogo de tabuleiro que envolve fichas de jogadores, dados e, nas edições mais antigas, até miniaturas (e tabuleiro), o role playing game – ou jogo de interpretação de personagem – é a principal influência a muitos escritores de fantasia, jogos e principalmente aos videogames, que levam até hoje as bases fundamentais em seus desenvolvimentos, sendo considerado o início do que conhecemos por RPGs modernos.

Criado em 1974 por Gary Gynax e Dave Arneson, o jogo baseado em uma fantasia medieval levava os jogadores a aventuras por catacumbas, castelos e diversas localizações para cumprir um objetivo – seja salvar princesas, enfrentar monstros gigantes e encontrar tesouros. A idéia do jogo não é original: D&D foi totalmente inspirado em Chainmail, um wargame medieval onde jogadores se enfrentavam com exércitos em miniaturas – tanto que a primeira edição de D&D pedia o uso de suas miniaturas em um completo reaproveitamento de idéias (Chainmail foi desenvolvido anos antes também por Gary Gynax). A fantasia medieval não era nenhuma novidade, inspirada em livros como O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien – que até então já era influencia até mesmo outras obras na época.

Mas o mais interessante de D&D não eram apenas as aventuras pré-definidas do jogo, mas a possibilidade de criar a sua própria. O jogo exigia que um jogador fosse o mestre do jogo, ou seja, aquele que conduzisse e narrasse os acontecimentos da história levando os outros jogadores a terem a liberdade de atingir seus objetivos da forma que preferirem, sem qualquer tipo de envolvimento ou participação. Já os demais jogadores poderiam escolher suas classes, itens e, com o decorrer de novas aventuras, melhorar suas habilidades e tornando o seu personagem mais forte, ou mais inteligente, mais carismático, e por aí vai. Tudo que fosse melhor para seu personagem seria válido para uma próxima aventura.

Entre dados e miniaturas, com o decorrer dos anos Dungeons & Dragons evoluiu para uma nova versão com novas regras, classes e raças, e eventualmente abolindo o uso de miniaturas e tabuleiros para uma partida. Em poucos anos de seu lançamento, em 1978, era lançado Advanced Dungeons & Dragons – o conhecido AD&D – e assim os jogos passaram a ser ainda mais influente aos jogadores. Alguns jogos da série ainda sobreviveram ao uso de miniaturas e tabuleiros, como o caso Dragon Quest e Hero Quest – que foi lançado no Brasil em meados dos anos 90 pela Grow e Estrela, respectivamente. Mantendo a mesma premissa do D&D original, AD&D era mais complexo à sua forma original, recebendo nos anos seguintes outras campanhas adicionais, como Forgotten Realms e Eberron, adicionando novas regras ao jogo.

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Caixa de Dragon Quest, lançado também no Brasil pela Grow: uma das expansões de Dungeons & Dragons

Por ser tão conhecido na década de 70 nos EUA, Dungeons & Dragons influenciou e muito a cultura pop da época, e se tornou ainda mais presente na vida de muitos jovens no decorrer dos anos. Muitos autores dizem ser jogadores até hoje e totalmente influenciados à idéia de criar aventuras, como o caso de George R. R. Martin, o criador da série Crônicas do Gelo e Fogo, que além desta série escreve também Wild Arms, baseados em aventuras de RPGs que jogou com os amigos. Até outros atores, como Robin Williams e, quem diria, Vin Diesel admitem suas paixões pelo jogo “de tabuleiro”.

O jogo também virou filme (o péssimo e mal recebido Dungeons & Dragons, de 2000, e suas tão péssimas sequencias) e influenciou outros (como o cult cômico The Gamers, que conta a história de amigos em uma partida de RPG), além de diversas séries como The Big Bang Theory e Freaks and Geeks fazerem referências aos jogos. Ganhou também suas próprias novelizações em livros, como a série Dragonlance – até então a mais famosa até hoje.

Mas de todas as mídias já criadas, sem dúvidas o desenho animado com o mesmo nome foi o que lhe rendeu ainda mais sucesso. Caverna do Dragão, como é mais conhecido aqui no Brasil, é até hoje um dos desenhos animados mais lembrados pelos marmanjos de hoje que o assistiam pelas manhãs durante o Xou da Xuxa entre o fim dos anos 80 e início dos 90 – e que até hoje é exibido também pelas manhãs. Impossível não se lembrar das aventuras dos jovens que, após um passeio em uma montanha russa, foram levados a esse mundo de fantasia através de um portal, e que buscavam um caminho de volta ao seu mundo – e claro, da lenda por trás do episódio final que nunca existiu e de seu motivo macabro.

Caverna do Dragão, sucesso nas manhãs durante os anos 80 até hoje

Do tabuleiro ao digital

A própria série Dungeons & Dragons (e Advanced) ganhou suas versões eletrônicas. Os consoles NES e Master System, junto com Amiga, Commodore e MSX (e até o Intellivision!) tiveram suas próprias versões de jogos, como Pool of Radiance, cuja jogabilidade funcionava nos moldes das aventuras de D&D com direito a narração/story telling; e Heroes of the Lance, que já aproveitava o tão influente estilo side scrolling. Os arcades também aproveitaram o mesmo estilo e fez sucesso nas casas de fliperamas. Jogos como Shadow over Mystara e Tower of Doom dava ao jogador uma liberdade maior para andar e atacar os inimigos na tela, mas seguia a regra básica de fichas de personagens – com pontos de ataque e defesa – e itens que poderiam melhorar o personagem de alguma forma, seja restaurando seus pontos de vida ou melhorando o dano de sua arma.

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Sem dúvidas os computadores foram a grande plataforma para jogos da série como um todo, que evoluiu de jogos como Gateway to the Savage Frontier a outros muito mais elaborados – inclusive visualmente – como as séries Baldur’s Gate, Neverwinter Nights, e o mais recente Dungeons & Dragons Online, entrando de vez ao ‘mercado’ dos MMORPGs e competindo como jogos como World of Warcraft – que também leva o sistema de níveis inspirado no conceito original de D&D. E não foram poucos os jogos da série, que desde minigames a jogos vendidos online conta com mais de 30 títulos que levam o nome Dungeons & Dragons.

Apesar de seus 40 anos de existência, D&D é, sem dúvidas, a principal influência para os RPGs eletrônicos e talvez o seu ponto de partida, o pai de todos. É impossível não reconhecer o sistema de turnos, experiência e níveis em outros RPGs como Final Fantasy, Dragon Quest, Ultima e Phantasy Star, e muitos outros jogos, japoneses ou ocidentais, de hoje aos que chegarão no futuro. Não apenas ao estilo, mas para muitos outros: itens especiais para melhorias e a progressão de um personagem são comuns hoje em dia e seguem a mesma regra básica encontrada nos manuais da primeira edição do role playing game.

É impossível não reconhecer a importância de Dungeons & Dragons hoje para os videogames e principalmente à cultura pop, onde gerações cresceram ao lado de seus jogos, influenciando a diversão e também a imaginação de muitos jogadores que um dia se apoiaram a ele para suas criações – sejam jogos, livros, filmes ou séries. Mesmo com seus 40 anos, novas versões serão lançadas e permitirão novas aventuras ao decorrer dos anos, inspirando muitos outros. Mesmo em uma era tão digital como a nossa, rolar os dados nunca deixou de ser tão divertido.