Os anos 80 foi uma das épocas mais incríveis da humanidade, e sem dúvidas a mais pop de todas. Tivemos sintetizadores, cubos mágicos, polainas, desenhos animados como He-Man e Thundercats, e o início da ascensão dos videogames, indo diretamente para nossas casas. Pouco antes da comercialização do Atari, os arcades eram a grande sensação do momento, o ápice do entretenimento eletrônico. E entre diversas máquinas espalhadas pelo mundo, o icônico Pac-Man era o mais popular de todos.

Pac-Man completa hoje 35 anos de lançamento e durante todo esse tempo conseguiu feitos que nenhum outro jogo alcançou. Só no Japão, pouco depois de seu lançamento nos arcades, atrapalhou a economia do país: cerca de 65% das moedas distribuídas na terra do Sol nascente foram parar dentro de suas máquinas. Lançado pela Namco em 1980, chegou um ano depois nos Estados Unidos através da Midway, principal distribuidora de fliperamas por lá. Se popularizou tão rápido que Pac-Man foi uma verdadeira explosão de merchandising: camisetas, pelúcias, bonés, broches, cadernos, e até um desenho animado produzido pelos estúdios Hanna-Barbera – o mesmo de Flintstones e Scooby-Doo. A bolinha amarela que não parava de comer em um labirinto estava no topo. Estima-se que, em um período de 18 meses (até o final de 1981) eram mais de 350 mil máquinas distribuídas em todos os EUA, movimentando cerca de 1 bilhão de dólares.

Mesmo com tanta popularidade, Pac-Man chegou aonde nenhum outro videogame até então tinha chegado: as rádios. Era tão comum encontrar suas máquinas espalhadas por toda a cidade que foram inspiração ao maior sucesso dos amigos Jerry Buckner e Gary Garcia, uma dupla de músicos de Atlanta que, na época, faziam pequenos shows em bares e escreviam jingles publicitários. Conhecidos como Buckner & Garcia, já haviam gravados algumas outras músicas utilizando outros pseudônimos – uma de suas músicas falava do jogador da NFL Howard Cosell como Papai Noel.

Pegos pela febre do fliperama os músicos compuseram a música e ofereceram a algumas gravadoras, que rejeitaram. Mas foi através de uma rádio local de Atlanta que Pac-Man deu o seu primeiro passo para um universo ainda maior ao tocar uma música baseada em seu sucesso nos arcades em um programa matutino. O resultado foi certeiro, e a música Pac-Man Fever se popularizou rapidamente em todo o país.

Uma febre muito alta

“Estou com o bolso cheio de moedas / e estou indo pro arcade / eu não tenho muito dinheiro / mas dessa vez eu vou com tudo”. O primeiro refrão de Pac-Man Fever era o retrato perfeito dos jovens que depositavam milhares de moedas nos arcades, e sua melodia simples e grudenta fez tanto sucesso que em Março de 1982 a música chegou a 9ª posição da Billboard, a famosa lista das músicas mais ouvidas no país, na frente de Edge of Seventeeen, de Stevie Nicks, e ultrapassando a número 1 da primeira semana de Janeiro de 82, Physical, de Olivia Newton-John.

Ainda ficou mais 3 semanas entre as dez mais ouvidas nos EUA: a música responsável por tirar sua posição no top 10 foi Chariots of Fire, do Vangelis, música tema do filme Carruagens de Fogo que tinha acabado de ser lançado nos cinemas, e uma das principais bilheterias no ano.

Pac-Man Fever chamou a atenção da gravadora Columbia Records, que fechou um contrato com Buckner & Garcia para a venda e distribuição do single e a produção de um álbum baseado em diversos outros arcades populares na época. A idéia era ousada demais: o acordo era que a dupla entregasse o material composto o mais rápido possível, e em apenas 2 meses a banda lançou o álbum com mesmo nome.

Além de Pac-Man Fever, o álbum tinha outras 7 músicas: Froggy’s Lament, inspirado em Frogger e sua tragédia pessoal ao atravessar ruas; Ode to a Centipede, sobre o tão popular Centipede; Hiperspace, uma alusão ao jogo Asteroids; The Defender, sobre a aventura por trás de Defender, cujo arcade era o segundo mais popular na época; Mousetrap, baseado em Mouse Trap; e Goin’ Berzerk, relacionado ao jogo de mesmo nome. Mas de todos as outras músicas do álbum de Buckner & Garcia foi Do The Donkey Kong, inspirado no jogo da Nintendo, que se tornou o segundo single a tocar nas rádios. Diferente de Pac-Man Fever, a música alcançou a 103ª posição na Billboard.

Buckner & Garcia não queriam escrever músicas conceituais, mas o sucesso lhes deram notoriedade na indústria musical que ficava cada vez mais milionária na década de 80. O álbum rendeu a eles um disco de ouro, vendendo um 1.2 milhão de cópias até o fim do ano. Pac-Man Fever ficou em 72º entre as 100 músicas de 1982 da Billboard, ao lado de bandas como Journey, Paul McCartney e Survivor, que estourava nas rádios com o single Eye of the Tiger.

A música não fez sucesso apenas nos Estados Unidos. Na França alcançou o segundo lugar por duas semanas seguidas, no Canadá também alcançou o 9º lugar no top 10 semanal. No Brasil a música não foi um grande sucesso comercial (Pac-Man foi comercializado no país anos depois), mas misteriosamente emplacou o 62º lugar entre as 100 mais de 1982. O melhor de tudo é que ficou conhecida por aqui como “melô do fliperama” (ou tentaram comercializar dessa forma). É possível até encontrar um exemplar do single a venda no Mercado Livre.

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Um dos exemplares nacionais de Pac-Man Fever, a venda no Mercado Livre por R$ 20. Foto: Mercado Livre

Perdidos no labirinto

Se as estrofes “Meu dinheiro acabou / mas eu volto amanhã à noite” fossem levadas a sério, poderíamos comparar com o destino de Buckner & Garcia. Com a tentativa de criar mais um sucesso musical relacionado a jogos de videogames, a dupla compôs E.T., I Love You, baseado no filme E.T., O Extra-Terrestre. Se o filme foi um sucesso de bilheteria (a maior bilheteria já registrada na década de 80), a música seguiu o mesmo caminho do jogo lançado para o Atari, um dos responsáveis pelo início da falência da companhia e considerado um dos piores jogos já criados.

O tiro saiu pela culatra: mesmo com a música criada, a gravadora engavetou a composição de Buckner & Garcia e favorecer um outro artista da casa, Neil Diamond, e então lançar seu novo single Heartlight – também inspirado no filme. O resultado foi um processo contra os compositores (inclusindo o próprio Neil Diamond) a pagar 25 mil dólares na época a Universal Studios pelo o uso indevido de idéias do filme. Mesmo com a autorização de Steven Spielberg, a música de Buckner & Garcia nunca foi lançada pela gravadora. Foi lançada só depois de 17 anos, em 1999, com o álbum Now & Then.

A dupla nunca mais fez sucesso novamente, tornando-se mais uma “banda de um só sucesso”, voltando a compor para outros músicos e criando jingles publicitários. A dupla relançou também em 1999 o álbum Pac-Man Fever remasterizado. A Sony Music Entertainment, então detentora dos direitos autorais da distribuição da Columbia, nunca deu acesso aos materiais originais da dupla, que relançou as músicas com outros efeitos especiais – boa parte foram gravadas direto das máquinas. Em Novembro de 2011, Gary Garcia faleceu por causas desconhecidas. Um ano depois Jerry Buckner compôs a música Wreck-it, Wreck-It Ralph, trilha sonora do filme Detona Ralph (porém é creditada à dupla).

Apesar de ter sido um único sucesso, Buckner & Garcia conseguiram ir bem longe eu sua própria partida e levou um dos jogos mais populares do mundo aonde ninguém imaginava ser possível. Muitas outras bandas tentaram repetir o sucesso, mas não chegaram perto de Pac-Man – os australianos do Player 1 emplacaram por pouco tempo a música Space Invaders, mas não durou muito. A bem da verdade, a dupla conseguiu conquistar o coração dos americanos ao simplesmente retratar um dos maiores momentos da a indústria de games. Se hoje é comum para nós ver trilhas de jogos indicadas ao Grammy, Pac-Man e sua música deixam evidente que na verdade a febre nunca acabou – e também nunca foi tão popular.