No começo dos anos 2000, a internet ainda não tinha se estabelecido como hoje. Enquanto é comum que muitos sequer tenham TV a cabo, assistindo vídeos em qualidade 4K por streaming no conforto do sofá, naquela época assistir qualquer vídeo era uma árdua tarefa. Além de demorar dezenas de minutos (ou até mesmo horas) para carregá-los, a qualidade costumava ser tão pequena que era preciso grudar os olhos no monitor do computador para conseguir enxergar algo.

Era com tantas dificuldades que eu, com meus 13 anos, tentava assistir conteúdos da E3. Fascinado pelo mercado de videogames, eu acompanhava as principais notícias e novidades através de revistas e programas na televisão, absorvendo a maior quantidade de informações possível. Apesar de não conseguir assistir as conferências ao vivo, eu era capaz de entrar em sites específicos para baixar tudo o que pudesse e gravar em CD, para reproduzir em telas maiores de alguma maneira. É por isso que, até hoje, encontro alguns discos com os dizeres “E3 2004” escritos em caneta sobre eles.

O mundo da E3 me parecia extremamente mágico. Lá era não somente o lugar onde os novos jogos e consoles eram mostrados ao mundo, mas também um ponto de encontro gigantesco entre pessoas que dividiam a mesma paixão: os jogos. Tendo em vista a dificuldade em encontrar amigos que entendessem a minha obsessão pelo mercado, acompanhar a feira de alguma maneira me fazia com que me sentisse parte daquilo.

Conforme fui crescendo, o meu hábito de acompanhar as notícias e entender sobre o assunto evoluiu para escrever sobre o tema. Em pequenos blogs, comecei a colocar meus pensamentos e ideias para que outros comentassem e discutissem, e mesmo com pouco retorno, percebi que este era o mundo que eu pertencia. A E3 deixou de ser um sonho naquele momento, e se tornou um objetivo de vida.

O início

Assim como eu, o Brasil começou a mostrar que tinha interesse na área. Apesar de o mercado ser inundado pela pirataria, eventos como a EGS começaram a surgir e trazer um gostinho do que seria a E3. Era neles que eu ficava da hora em que as portas eram abertas até o momento em que ninguém mais ficava por lá – isso não é exagero, já que fiz amizade com as pessoas que estavam encaixotando os consoles.

Já em 2013, com 23 anos de idade, eu participava de blogs e conteúdos em vídeo falando sobre jogos, como um hobby. Consegui conhecer jornalistas que acompanhava quando mais novo, experimentar jogos e ir em lugares antes de todos os outros. E foi de pouco em pouco, sem ganhar dinheiro, sem ter tempo livre, que recebi a oportunidade da minha vida: ir para a E3.

Tudo isso que estou falando não é para provar algum ponto ou promover minha imagem. O que quero mostrar é a transformação de um sonho a um objetivo alcançado e as mudanças que isso pode trazer na vida de alguém que ama o que faz. Foram necessários muitos dias de dedicação, escrevendo sem saber se haveria um retorno. Valeu muito a pena e mudou a minha vida para sempre.

Na entrada do centro de convenções. Foto: arquivo pessoal

O meio

Ir para a E3 envolve muito mais do que simplesmente pegar um avião e jogar videogame. Los Angeles é uma cidade enorme, com culturas diferentes, problemas de transporte, cheia de produtos caros e muita, muita gente. É uma mistura de sentimentos que sempre envolvem o medo de estar sozinho e longe de tudo e todos. Mas fui em frente e, depois de alguns dias, entendi a mecânica de tudo.

A E3 para quem está longe se resume a algumas coisas específicas: ver as conferências online, debater sobre elas e acompanhar alguns vídeos de gameplay que são liberados conforme os dias passam. A E3 para quem está lá é algo muito, muito maior, e envolve dias de correria que vão de acompanhar anúncios, testar jogos, tirar fotos de cada anúncio de jogo e pôster que possa levar a alguma revelação, ir a festas para comer e socializar com outros jornalistas, até mesmo comprar jogos, bonecos e consoles que estão em promoções nas lojas. E filas, muitas filas… tudo isso no meio de gente que realmente ama estar ali.

Nenhum momento descreve a emoção de entrar no centro de convenções, onde ocorrem os 3 dias da E3, para pegar o seu crachá. Você olha ao redor e começa a reconhecer os lugares que via em vídeos, entendendo onde ficam, e não acredita estar vivenciando isso. É tudo tão grande! Mas grande mesmo, de um jeito que não conseguimos ter noção no Brasil. Esse é o momento em que você percebe que está realizando um sonho.

Assistindo a apresentação da Microsoft durante a E3. Foto: arquivo pessoal

A correria. Ela começa no dia em que a primeira conferência é feita. Muitos não sabem, mas para poder entrar em qualquer uma delas é preciso ter um convite com o próprio nome, e geralmente apenas um jornalista de cada site ou revista o consegue. Convenhamos que o pior que poderia acontecer é não podermos entrar. Isso nunca aconteceu.

Ver uma conferência ao vivo é assustadoramente diferente. Primeiro porque, principalmente na da Sony, há muita comida e bebida de graça. Jornalistas de canais famosos passam por você tranquilamente, e você percebe que eles existem mesmo! Depois porque tudo é muito grande, os palcos são muito iluminados e os fãs… eles fazem mais barulho do que um estádio de futebol. Cada anúncio é recebido com palmas, gritos e pulos das cadeiras de um jeito que as transmissões não conseguem captar. Por fim, quando elas acabam, podemos testar tudo em primeira mão. É muito louco pensar que “estou experimentando isso antes de todo mundo”.

Os três dias seguintes acontecem de maneira ainda mais intensa. Há o impacto de estar dentro de um centro de convenções tão enorme, que logo se torna o maior obstáculo por conta dos compromissos (afinal, estamos trabalhando ali) que ocorrem em  pontos extremos do mapa. São muitos jogos para experimentar, entrevistas a fazer e fotos para tirar (ou vídeos para filmar) em muito pouco tempo. Junte tudo isso a estar o tempo todo cruzando com pessoas como Shigeru Miyamoto e Hideo Kojima, e não poder surtar de estar ali, vendo-os. E, no fim de cada dia, o cansaço valia a pena. O jantar com amigos, todos com sono e com saudade de casa, era feliz e saudoso, servido com experiências diferentes que cada um viveu por ali.

Ao lado de Fumito Ueda, diretor e criador dos jogos Ico, Shadow of the Colossus e The Last Guardian. Foto: arquivo pessoal

O fim

Fui dois anos seguidos à E3, em 2015 e 2016. Neste ano, 2017, não pude ir e acabei acompanhando tudo por aqui. Mas não voltei a me sentir o menino que antes sonhava em ir para lá, e sim o adulto que entende que o que vemos por aqui é apenas uma pequena porção de toda a experiência.

Essa feira é muito mais do que ver vídeos e dar risada, ficando animado pelo próximo jogo. Ela é a prova de que nós, jornalistas e entusiastas, temos uma paixão tão grande que não importa o quão trabalhoso seja, o resultado final é sempre a nossa felicidade. Hoje assisto as conferências e sinto nostalgia, de um sonho que passou, mas que fará parte da minha vida para sempre. Quem sabe em 2018 ele não volte a acontecer?